
Personagens típicos da história americana.
Não é de hoje que comento que o Brasil é um cenário tão bom para as aventuras de RPG quanto qualquer outro cenário, principalmente os americanos, que nos são apresentados nos livros de RPG porque são feitos pelos americanos. Eles extraem suas aventuras de suas próprias cidades e de sua história, que eles romantizam, modificam, exageram, fantasiam, para ajustá-los a história que pretendem contar. Ora, nós podemos fazer a mesma coisa. O detalhe é que as vezes parece que conhecemos mais a história americana do que a nossa própria, e talvez por isso a dificuldade de imaginar algo relacionado ao Brasil. Desde cedo aprendemos sobre Pocahontas, uma nativa americana da tribo powhatan e seu amor pelo inglês John Rolfe, sobre a Guerra da Secessão Americana, que opôs o norte contra o sul, sobre o grande Abraham Lincoln, célebre presidente americano que lutou contra a escravidão, sobre a Guerra do Vietnam, sobre a participação dos americanos da 2ª Guerra Mundial, sobre histórias do Velho Oeste, mas pouco ou nada sabemos sobre a história do Brasil. Pelo menos não dessa maneira que a todo momento a história americana nos é apresentada, com heróis, romance, aventura. Dessa forma somos cooptados a contar mais da história americana do que sobre a historia do Brasil.

Capa do livro.
A bem da verdade o RPG Desafio dos Bandeirantes, criado por Carlos Klimick, Luiz Eduardo Ricon e Flávio Andrade, e publicado em 1992 pela extinta editora GSA, tentou mudar esse panorama lançando um RPG que explorava de maneira mística os primeiros anos de colonização do nosso país pelos portugueses. Era um RPG com uma proposta de fantasia histórica, passado numa versão fantasiosa do Brasil colonial (chamado Terra de Santa Cruz), por volta do século XVII. Os jogadores podiam escolher como personagens, pajés, jesuítas, babalorixás e bandeirantes, além de enfrentarem personagens do folclore brasileiro como o Saci, Mula-Sem-Cabeça, Kanaímas, entre outros. Mas como sempre, os RPGs com cenários americanos tomaram contra do mercado e Desafio dos Bandeirantes nunca mais teve uma nova publicação.
Mas se o problema para criar aventuras é a falta de conhecimento da nossa história, ou pelo menos como utiliza-la em nossas aventuras, o Velhinho do RPG dará algumas dicas, procurando ajudar Mestres e jogadores a utilizar mais nosso rico cenário para suas campanhas de RPG. Vamos dar uma olhada em alguns períodos históricos interessantes.
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL

A chegada dos portugueses e suas caravelas.
A chegada dos invasores portugueses, no início do século XVI, pode ser explorada em uma campanha de Déloyal ou do Novo Mundo das Trevas. Imagine os jogadores nos papéis dos nativos que estão em clara desvantagem tecnológica contra o invasor e tem que lutar com todas as suas forças para impedir serem expulsos de suas terras ou escravizados por eles. Isso daria uma grande aventura de Déloyal, RPG da Lampião Game Studio que em breve será lançado pela Pensamento Coletivo. Não conhece? Então clique AQUI e leia a resenha sobre o jogo. Ou então uma aventura do Novo Mundo das Trevas, onde os jogadores são os portugueses chegando a uma terra cheia de mistério e perigos. Talvez esse perigo nem sejam os nativos, mas criaturas que vivem nas matas e que assombram até mesmo os nativos. O Jurupari seria um ótimo adversário para este tipo de história, ou talvez um Mapinguari. Os jogadores constroem uma fortificação para se protegerem, mas a mata, e principalmente a noite, é cheia de perigos.
Os primeiros anos da colonização do Brasil foram marcadas pelo relativo abandono da coroa portuguesa, devido a dificuldades financeiras em explorar um território tão grande, e passou a ficar a cargo de iniciativas pessoais dos beneficiados com as capitanias. Mas mesmo eles deixaram de lado boa parte delas, ficando para os colonos que decidiram vir ao Brasil a missão de colonizar o território e fazê-lo dar lucro. Imagine a história de uma família de colonos chegando ao Espírito Santo, ou qualquer outro lugar do Brasil, e ter que enfrentar dificuldades como falta de recursos básicos, nativos enfurecidos, monstros que habitam as matas, e tudo mais que o Mestre imaginar para a aventura. Garanto que ficaria bem legal.
A INTERIORIZAÇÃO DO BRASIL

Os bandeirantes.
Da mesma maneira que as histórias da conquista do Velho Oeste americano são contadas através da bravura de homens brutos, que com sua coragem levaram a civilização americana de uma ponta a outra do país, a história do Brasil também reserva um momento onde homens corajosos avançaram pelo território, saindo do litoral e avançando o máximo que puderam dentro do país. Os bandeirantes, como ficaram conhecidos, foram estimulados pela coroa portuguesa a avançarem para o interior do território e procurarem minas de ouro, prata e de pedras preciosas no interior da colônia, devido as dificuldades financeiras da metrópole. As várias disputas políticas nas quais Portugal envolveu-se provocaram o declínio do comércio do açúcar e conseqüentemente a necessidade de uma nova fonte de exploração de riqueza. Essas expedições são responsáveis não somente pela descoberta de ouro e pedras preciosas, mas também pela formação de várias cidades pelo interior de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Uma aventura de Dust Devils substituindo os caubóis por bandeirantes e contando a história de homens que descobriram minas de ouro ou de diamantes com a esperança de se tornarem homens ricos seria interessante. Os intendentes das minas à serviço da coroa portuguesa podem ser bons oponentes, assim como outros bandeirantes que desejam roubar a mina dos personagens. Se o grupo quiser jogar algo mais sobrenatural pode pegar o suplemento Lugares Misteriosos, do Novo Mundo das Trevas, e usar algumas ideias presentes no livro, como O Vale dos Índios Panteiros e a Floresta Sussurrante, mudando o que for necessário e usando este período histórico como pano de fundo para a aventura. Enfrentar mistérios como esses dentro de um território desconhecido, e longe da civilização, pode ser bem assustador. Apenas como contraponto, aconselho a lerem o livro Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown, um livro comovente que conta a sistemática destruição dos povos nativos da América do Norte, desmistificando um pouco a ideia da bravura dos caubóis que conquistaram o oeste americano.
ERA VARGAS E DITADURA MILITAR

Lutando conta a ditadura.
Apesar de serem períodos históricos distintos eles possuem um característica em comum: um governo opressor dominando o país. Mais uma vez um prato cheio para Déloyal, onde os jogadores interpretam um grupo opositor ao governo tentando derrubar as ditaduras impostas ao país em ambos os períodos. Ou então uma aventura de Mago: O Despertar, com o governo sendo controlado pelos Profetas do Trono Superno e os opositores sendo os magos que são caçados pelos sistema. Pode-se usar também os dois momentos apenas como pano de fundo para uma campanha a ser jogada em outro período histórico, que tem seus acontecimentos determinados pelo que aconteceu na época dessas duas ditaduras.
CONJURAÇÃO BAIANA

Os conjuradores.
O ano de 1798 foi palco da Conjuração Baiana, um movimento que propunha entre outras reivindicações a proclamação da república, abolição da escravatura e a diminuição dos impostos pagos à coroa portuguesa. Composta por negros instruídos, alguns deles alfaiates (daí também o nome de Revolta dos Alfaiates), teve grande influência da sociedade maçônica Cavaleiros da Luz e do processo de independência do Haiti. Aventuras usando sociedades secretas lutando pelo fim do controle metropolitano contra grupos que querem manter a opressão e o controle metropolitano seriam excelentes para GURPS Iluminatti. Uma aventura de Vampiro: A Máscara também cairia bem aqui, com os lideres metropolitanos sendo controlados pela Camarilla, através de Ventrues, Toreadores e Tremeres, e os conjuradores sendo insuflados pelos Anarquistas, com vários Brujahs e Malkavians entre eles, ou então por Setitas recém chegados do Haiti querendo implantar no Brasil o mesmo modelo de onde vieram.
PROJETO RONDON

A primeira equipe.
Criado em 1966 pelo governo federal tem como objetivo desenvolver ações que tragam benefícios permanentes para as comunidades, principalmente as relacionadas com a melhoria do bem estar social, em especial para as comunidades mais afastadas dos grandes centros. Ele começou quando uma equipe formada por 30 universitários e dois professores de universidades do antigo Estado da Guanabara, foram enviados para Rondônia, com objetivo de conhecer a realidade local.
Uma aventura de Rastro/Chamado do Cthulhu onde os personagens estão distantes de uma cidade grande, no meio da selva amazônica, e tem de lidar com mitos das nossas lendas, como o Boi-Tatá, Curupira, ou uma criatura dos Mitos de Cthulhu que desperta na mata, seria bem interessante. O fato de serem universitários liderados por um professor cai bem dentro dos esteriótipos de personagens para este tipo de aventura. Uma aventura pulp de Savage Worlds também seria interessante, com a descoberta de um templo antigo ,ou uma pirâmide no meio da mata, que trás de volta seres que estavam aprisionados. Ou talvez a luta contra uma anaconda gigante, que vem atormentando a população local que necessita da ajuda dos jogadores. Talvez a primeira equipe nunca tenha voltado, e o governo mande outra equipe para saber o que aconteceu com eles.
FINAL DO IMPÉRIO
Recentemente o inglês Tom McGrenery, um escritor e designer de jogos, escreveu um RPG chamado Malandros, que tem como cenário o final do século XIX no Rio de Janeiro. O período histórico e seus ricos personagens são explorados de maneira magistral por ele. Clique AQUI para saber mais sobre esse RPG. Se um inglês pode escrever sobre aventuras no Brasil porque nós não podemos?
RPG NACIONAL

Lamento de Tupã, e dos deuses indígenas.
Outra fonte de muita inspiração para cenários usando a rica história nacional é o blog RPG Nacional, de Silva Pacheco. Ele produziu um cenário chamado Boêmios e Decaídos ambientado na Era Vargas, usando os típicos personagens da época. Além disso é um profundo estudioso da mitologia tupi, produzindo também um cenário onde os deuses do panteão indígena interagem com os problemas mundanos, chamado Lamento de Tupã. Vale a pena conferir os dois.
Espero que tenham gostado do artigo e gostaria de ler a opinião de vocês sobre mais ideias usando nossa história para aventura de RPG. Quem sabe isso me motive a escrever mais um artigo abordando outros períodos históricos. Um grande abraço a todos.
Parabéns pela iniciativa. Agradeço a menção ao Desafio dos Bandeirantes. Realmente a nossa História é muito rica e pouco aproveitada pelos brasileiros. Faltou, talvez, citar os cenários que existem atualmente com História do Brasil: Brasil Barroco, Witchcraft Tales e os do Silva Pacheco que se passam na Era Vargas. Grande abraço! Carlos Klimick
Eu que agradeço sempre a visita, Carlos. Vc é uma grande inspiração para todos que desejam usar o Brasil como cenário. O RPG Nacional, site do Silva Pacheco, sempre é citado por mim em vários artigos. Nesse eu realmente deixei de citar, mas já reparo esse erro deixando mais uma vez o link para site: http://rpgnacional.blogspot.com.br/
Quanto aos demais citados por você não conheço, mas já quero conhecer. Um grande abraço.
Existe um cenário chamado Hi-Brazil que se passa em uma versão fantástica-medieval do Brasil, onde há uma versão geografica de nosso país e da América do Sul.
http://www.daemon.com.br/home/hi-brazil/
Valeu pela dica, Fabrício.
outra ideia pro período colonial e do império seria usar old dragon ou o 3d&t alpha
Old Dragon eu acho que seria legal se criássemos um cenário pré-colonial fantástico para o Brasil, com criaturas dos mitos indígenas, civilizações fantásticas que depois sumiram, etc.